Na antevéspera do cinqüentenário de sua abertura, uma oportuna reavaliação do Concílio Vaticano II
José Antonio Ureta
Na  História da Igreja Católica, houve 21 concílios ecumênicos, ou seja,  reuniões gerais de todos os bispos sob a direção do Papa ou de um  representante seu.Diferentemente dos concílios anteriores, o Concílio Vaticano II (1962-1965) coloca para os analistas (teólogos, historiadores, etc.) um problema novo. É que todos os concílios anteriores exerceram, com e sob o Papa, um Magistério solene, definindo verdades de fé e moral e tomando medidas de caráter disciplinar, enquanto juízes e legisladores supremos. O Concílio Vaticano II, contudo, não deliberou nem propôs, de modo solene e definitivo, nenhuma verdade de fé ou moral. Isso favoreceu a discussão sobre a natureza magisterial de seus documentos, o modo como eles foram postos em prática no pós-Concílio, e a relação entre o Concílio e o pós-Concílio.
O Papa Bento XVI pavimentou o caminho para esse debate de alto nível ao afirmar, no Natal de 2005, a necessidade de uma “hermenêutica da continuidade” dos documentos conciliares. O que equivalia a admitir, implicitamente, que no texto deles há passagens menos claras ou quiçá ambíguas, que devem ser interpretadas conforme à Tradição bimilenar do Magistério da Igreja.
Até há pouco prevalecia, em numerosos meios eclesiásticos, a tendência a hipervalorizar o aggiornamento conciliar, promovendo a idéia de que o Vaticano II foi um novo começo que fazia tábula rasa do passado da Igreja e exigia ainda mais novidades. Erigido em “superdogma”, o Concílio passava a ser um evento intocável e aquele que exprimisse a menor reserva a respeito do seu alcance corria o risco de ser considerado “reacionário”, rebelde às orientações da Hierarquia.
De um tempo a esta parte, o descrédito das correntes progressistas promotoras dessa “ruptura” com o passado — no estilo da Teologia da Libertação que grassou na América Latina — favoreceu a emergência de um juízo mais sereno e objetivo a respeito do Concílio Vaticano II. Esse progresso da objetividade foi patenteado, entre 16 e 18 de dezembro p.p., no significativo Congresso de estudos sobre a Magna assembléia “para uma justa hermenêutica à luz da Tradição da Igreja”, organizado, em Roma, pelo Seminário Teológico Immacolata Mediatrice do Instituto dos Franciscanos da Imaculada.
A iniciativa, com o título Concílio Vaticano II. Um Concílio pastoral – Análise histórico-filosófico-teológica, contou com a participação de destacados representantes da Cúria Romana, da Hierarquia e do mundo acadêmico: o Cardeal Velasio de Paolis (Presidente da Prefeitura dos Assuntos econômicos da Santa Sé), D. Luigi Negri (Bispo de Marino-Montefeltro), D. Atanasio Schneider (Bispo auxiliar de Astana no Kazakistão), Pe. Nicola Bux (Consultor do Bureau de Celebrações do Sumo Pontífice e Professor no Instituto ecumênico de Bari), Mons. Brunero Gherardini, ex-decano da Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Lateranense e professor emérito dessa universidade, o Pe. Ignacio Andereggen (professor na Universidade Pontifícia Gregoriana), o Pe. Florian Kolfhaus, funcionário diplomático da Secretaria de Estado, os padres Rosário M. Sammarco, Paolo M. Siano, Serafino M. Lanzetta e Giuseppe Fontanella (professores no Seminário Teológico Immacolata Mediatrice), o Prof. Roberto de Mattei da Universidade Européia de Roma. Ademais, estiveram presentes em algumas sessões o Cardeal Walter Brandmüller (presidente emérito do Conselho Pontifício das Ciências Históricas) e o Secretário da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei, Mons. Guido Pozzo, e ainda outros membros da Cúria Romana.
| Trecho de discurso de Bento XVI “Por que a recepção do Concílio, em muitos círculos da Igreja,  até agora ocorreu de modo tão difícil? Pois bem, tudo depende da justa  interpretação do Concílio ou como diríamos hoje, de sua correta  hermenêutica, da justa chave de leitura e de aplicação. Os problemas da  recepção derivaram do fato de que duas hermenêuticas contrárias se  combateram e disputaram entre si. […] “Por um lado, existe uma interpretação que eu gostaria de definir ‘hermenêutica da descontinuidade e da ruptura’; não raro, ela pôde valer-se da simpatia dos mass media e também de uma parte da teologia moderna. Por outro lado, há a ‘hermenêutica da reforma’, da renovação na continuidade do único sujeito-Igreja, que o Senhor nos concedeu; é um sujeito que cresce no tempo e se desenvolve, permanecendo porém sempre o mesmo, único sujeito do Povo de Deus a caminho”. ___________ (Discurso do Papa Bento XVI à Cúria Romana, 22 de dezembro de 2005)LER... | 
OS PAPAS E A CRISE APÓS O CONCÍLIO VATICANO
O que diz o Papa Bento XVI?
             Não ao Vaticano II "superdogma"!
“Muitos comentários dão a impressão de que tudo              mudou desde o Vaticano II e que tudo aquilo que o precedeu não tem              nenhum valor ou, no melhor dos casos, não pode ter valor se não for              à luz do Vaticano II... Muitos, aliás, o interpretam como se ele              fosse um              ‘superdogma’ que tira toda a importância de todo o resto.  
Esta impressão se encontra particularmente reforçada pelos fatos que              se produzem com freqüência. Aquilo que era considerado anteriormente              como o mais sagrado -a forma transmitida pela liturgia-, aparece de              repente como aquilo que está mais proibido e como a única coisa que              deve ser certamente deixada de lado. Nós não toleramos nenhuma              crítica das coisas operadas  desde o concílio; entretanto, onde              estão em jogo as antigas regras ou as grandes verdades de fé- por              exemplo a virgindade corporal de Maria, a ressurreição corporal de              Jesus, a imortalidade da alma etc.- não reagimos ou bem o fazemos              com moderação extrema.”
Cardeal Ratzinger discurso de 13/07/88 à              conferencia episcopal do Chile.
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Papa Paulo VI | 
- (30/6/1968 - Oss. Rom.) "Na Igreja também está reinando uma situação de incerteza. Tem se a sensação, de que por alguma abertura tenha entrado a fumaça de Satanás no Templo de Deus."
 
- (07/12/1972 - Oss. Rom.) "A Igreja está passando por uma hora inquieta de autocrítica, que melhor se diria de autodestruição e igual a um transtorno agudo e completo, que ninguém teria esperado após o Concílio. A Igreja parece se suicidar, matar a si mesma."
O Concílio Vaticano II foi intencionalmente ambíguo e responsável pela crise atual
No livro extremamente esclarecedor “O  Reno se lança no Tibre”, do Pe. Ralph Wiltgen S.V.D., que acompanhou o  Concílio na qualidade privilegiada de jornalista, há alguns trechos  extremamente esclarecedores sobre a perversidade da tática modernista da  ambiguidade (os destaques são meus):
Foi então que um dos liberais extremistas cometeu o erro de fazer referência por escrito a algumas das passagens ambíguas e de esclarecer como seriam interpretadas após o Concílio.  O documento caiu nas mãos do grupo de cardeais e superiores maiores de  que acabamos de falar, e seu representante foi levá-lo ao Sumo  Pontífice. Compreendendo então que se tinham aproveitado dele, Paulo VI  caiu em si e chorou.
Ralph Wiltgen S.V.D.; O Reno se lança no Tibre; Editora Permanência; pág 244-245
“Desde a segunda  sessão”, esclarecia [o padre Schillebeeckx], “dissera a um especialista  da Comissão de Teologia que se sentia irritado ao ver exposto no esquema  o que parecia ser o ponto de vista liberal-moderado sobre a  colegialidade; pessoalmente, ele era favorável ao ponto de vista  liberal-extremo.” O especialista lhe havia respondido: “Nós nos exprimimos de modo diplomático, mas depois do Concílio tiraremos do texto as conclusões que estão nele implícitas.”  O padre Schillebeeckx achava esta tática “desonesta”. Durante o último  mês da terceira sessão, dizia, bispos e teólogos tinham continuado a  falar da colegialidade “em um sentido que não estava de forma alguma  consignado no esquema”. Sublinhava que a minoria tinha compreendido  perfeitamente que o fraseado vago do esquema seria interpretado em um sentido mais forte depois do Concílio. (…) A maioria, dizia, tinha recorrido a uma terminologia deliberadamente vaga e excessivamente diplomática e ele recordava que o próprio padre Congar tinha bem cedo protestado contra a redação deliberadamente ambígua de um texto conciliar.
Ralph Wiltgen S.V.D.; O Reno se lança no Tibre; Editora Permanência; pág 244-245LER...
A liturgia católica vive “uma certa crise” e Bento XVI quer dar vida a um novo movimento litúrgico, que volte a trazer mais sacralidade e silencio na Missa, e mais atenção à beleza no canto, na música e na arte sacra.
Entrevista ao Cardeal Cañizares
O Cardeal António Cañizares Llovera, 65 anos, Prefeito da Congregação para o Culto Divino, (que quando era bispo em Espanha era chamado “o pequeno Ratzinger”,) é o homem ao qual o Papa confiou esta tarefa. Nesta entrevista a Andrea Tornelli, publicada em Il Giornale, de 24.12.2010, (o “ministro” da liturgia de Bento XVI) revela e explica programas e projectos.
Enquanto Cardeal, Joseph Ratzinger tinha lamentado uma certa precipitação na reforma litúrgica post-conciliar. Qual é sua opinião?
A reforma litúrgica foi realizada com muita pressa. Havia óptimas intenções e o desejo de aplicar o Vaticano II. Mas houve precipitação. Não se deu tempo nem espaço suficiente para apanhar e interiorizar os ensinamentos do Concílio; de repente se mudou o modo de celebrar.
Recordo bem a mentalidade então difundida: era necessário mudar, criar algo novo. Aquilo que tínhamos recebido, a tradição, era vista como um obstáculo. A reforma foi entendida como obra humana, muitos pensavam que a Igreja era obra das nossas mãos e não de Deus. A renovação litúrgica foi vista como uma investigação de laboratório, fruto da imaginação e da criatividade, a palavra mágica de então.
Como Cardeal, Ratzinger tinha auspiciado uma “reforma da reforma” litúrgica, palavras actualmente impronunciáveis inclusivamente no Vaticano. No entanto, parece evidente que Bento XVI a desejaria. Pode falar dela?
Não sei se se pode, ou se convêm, falar de “reforma da reforma”. O que vejo absolutamente necessário e urgente, segundo o que deseja o Papa, é dar vida a um novo, claro e vigoroso movimento litúrgico em toda a Igreja. Porque, como explica Bento XVI no primeiro volume de sua Opera Omnia, na relação com a liturgia se decide o destino da fé e da Igreja. Cristo está presente na Igreja através dos sacramentos. Deus é o sujeito da liturgia, não nós. A liturgia no é una acção do homem mas é acção de Deus.   LER...

 

